terça-feira, 29 de junho de 2010

ADJETIVOS E SUBSTANTIVOS - Martha Medeiros


   O escritor português José Luís Peixoto disse certa vez uma frase que é uma lição valiosa para quem quer escrever bem: O substantivo é eterno, o adjetivo é acessório. Não sei se esta frase é originalmente dele ou se ele apenas a reproduziu numa entrevista, mas seja quem for o autor, obrigada pelo toque, não custa nada nos lembrar.
   Ninguém pode prescindir dos adjetivos, mas seu uso excessivo facilita demais a vida do leitor. Ele não precisa imaginar nada, está tudo ali descrito: se o pôr-do-sol é alaranjado ou púrpura, se os olhos da mocinha são melancólicos ou espertos, se os sentimentos são vigorosos ou confusos, se a cidade é opressiva ou tediosa, se o assassino está nervoso ou aliviado. Entrega-se tudo de mão beijada, vemos o que o autor vê, mas não sentimos o que o personagem sente.
   Assim na literatura, assim na vida. Recheamos nossos papos de adjetivos, despejamos um monte deles para fazer com que os outros entendam como nos sentimos: fracos, estimulados, preguiçosos, sonolentos, excitados. Adjetivamos nosso estado de espírito e economizamos justamente as palavras que nos traduziriam: medo, desespero, insegurança, êxtase. É mais fácil descrever o que nos acontece do que fazer com que o outro perceba. O adjetivo não dá trabalho a ninguém, nem a quem o usa e nem a quem o recebe. É um adendo, um enfeite, e como tal, requer não abusar, para evitar peruices literárias.
   O substantivo é o corpo, o adjetivo é o brinco. Importa o que o nosso corpo diz, como ele se movimenta, como reage ao toque, os sentimentos que leva dentro, como digere a vida, sua serventia como armadura ou objeto de sedução. O adjetivo é apenas o que fica aparente.
   E assim tudo. O substantivo é a alma, o adjetivo é a lágrima. O substantivo é o amor, o adjetivo é o beijo. O substantivo é o crime, o adjetivo é o sangue. Ambos complementares, porém o substantivo é o conteúdo, o adjetivo é apenas o papel de embrulho.

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