quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

UMA MULHER QUE SE ABRE - Marize Castro


   Quando uma mulher se abre o que há de mais solitário se alarga. Espantalhos de dor se mostram e se decompõem. Flocos de agonia se aproximam. Crescem perdas. Voam conchas.
   Uma mulher que se abre é uma mulher mergulhada em anáguas e sendas. Saltando sobre a luz. Deram-lhe lanças e um falso espelho para enganar as feridas.
   Quebrada, ela conduz corações ao túmulo. Esperando que uma nova morte traga-lhe nova grinalda e novo véu.
   Em surdina, uma mulher que se abre deseja o esquecimento e a maternidade. Quer parir, dormir, trepar. Morte à memória!
   - O mundo não corrompe quem habita os subterrâneos.
   Disse-lhe um livro com o sol no ventre.
   O extravio de uma mulher que se abre é um deslumbre. Uma significação doce e mórbida. Possui a beleza e está carregado de hóstias e sepulturas.
   Moças e rapazes, caindo em abismos, sustentam essa mulher aberta. Beijam-lhe o útero exposto.
   Afogado em seus cabelos,  na esperança que o amor, quando novamente acontecer, não traga algemas.
   Uma mulher que se abre é pedra, cratera, rio, relíquia.
   Traz na língua o perdão e suas chamas.

                                (Publicado no Diário de Natal, em 18 de julho de 1999)

  

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