segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Um texto de Guimarães Rosa


     Aí, eu aprendi. Eu sei fazer igual onça. Poder de onça é que não tem pressa: aquilo deita no chão, aproveita o fundo bom de qualquer buraco, aproveita o capim, percura o escondido de detrás de toda árvore, escorrega no chão, mundéu-mundéu, vai entrando e saindo, maciinho, pô-pu, pô-pu, até pertinho da caça que quer pegar. Chega, olha, olha, não tem licença de cansar de olhar, eh, tá medino o pulo. Hã, hã... Dá um bote, às vez dá dois. Se errar, passa fome, o pior é que ela quage morre de vergonha... Aí, vai pular: olha demais de forte, olha pra fazer medo, tem pena de ninguém... Estremece de diante pra trás, arruma as pernas, toma o açoite, e pula pulão! - é bonito...
     Ei, quando tá em riba do pobre do veado, no tanto de matar, cada bola que estremece no corpo dela a fora, até ela, as pintas, brilham mesmo mais, as pernas ajudam, eh, perna dobrada gorda que nem de sapo, o rabo enrosa; coisa que ela aqui e ali parece chega vai arrebentar, o pescoço acompridado... Apê! Vai matando, vai comendo, vai... Carne de veado estrala. Onça urra alto, de tarará, o rabo ruim em pé, aí ela unha forte, ôi, unhas de fora, urra outra vez, chega. Festa de comer e beber. Se é coelho, bichinho pequeno, ela comeu até às juntas: engolindo tudo, mucunando, que mal deixou os ossos. Barrigada e miúdos, ela gosta não...
     Onça é bonito! Mecê já viu? Bamburral destremece um pouco, estremeceuzinho à-toinha: é uma, é uma, eh, pode ser... Cê viu despois - ela evém caminhando, de barriga cheia? Ã-hã! Que vem de cabeça abaixada, evém andando devagar: apruma as costas, cocurute, levanta um ombro, levanta o outro, cada apá, cada anca redondosa... Onça fêmea mais bonita é Maria-Maria... Eh, mecê quer saber? Não, isso eu não conto. Conto não, de jeito nenhum... Mecê quer saber muita coisa!

                                   (Trecho do conto Meu tio, o Iauaretê)

3 comentários:

  1. Guimarães e seu regionalismo surpreendentemente magnífico!

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  2. Guimarães Rosa um dos nomes da literatura Univesrsal, e o que me fascina na obra dele é a arte de escrever pratimente em aforismos...

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  3. Conheço e sempre achei maravilhoso os textos

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