domingo, 9 de setembro de 2012

NOCHE ESCURA - Maria Lúcia Medeiros


   A porta do elevador abriu e ela arremessou na noite as mãos perfumadas, brancas, longas mãos. Vestia-se de negro e deixava ao passar, luz e sombra, sombra e luz, o ciração alternando batidas de ódio e amor, de amor, de amor, de ódio, de ódio, os olhos como vigias em largo mar, o corpo se liquefazendo em águas estranhas.
    [...]
  Uma folha ao vento, assim, uma vida simplezinha. Os homens abasteciam-se de seu corpo jovem, de suas contas brancas, de sua estupidez tão à mostra, de seus dias escuros.
  As mulheres nem a invejavam. As mulheres ofereciam-lhe ternos olhos de mãe, a mão acariciando a cria, tão frágil era o desejo. Nos gestos repetidos faltava-lhe sempre o aquecer das palavras de onde,  quem sabe, nasceriam as histórias. Escura noite sem fim, muro alto, inatingível.
   Ali, olhos abertos para o mar avistou o pequeno barco com luz avermelhada. Lá haveria de morar um marinheiro a embalar no dorso nu corações e flechas, o sal da solidão. Lá ao alcance dos olhos o barco a impulsionar seu corpo, e o marinheiro. Um segundo só para alcançá-lo, despir seu corpo e a eternidade toda para aninhar-se nele e - inescrutável - atravessar aquela noite.
   As pernas brancas num bailado sobre o mar, um bêbado viu.

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