terça-feira, 30 de outubro de 2012

Um poema de Cassiano Ricardo


Por que tenho saudade de você, no retrato, ainda que o mais recente?
E por que um simples retrato, mais que você, me comove, se você mesma está presente?
Talvez porque o retrato, já sem o enfeite das palavras, tenha um ar de lembrança.
Talvez porque o retrato (exato, embora malicioso) revele algo de criança como, no fundo da água, um coral em repouso.
Talvez pela ideia de ausência que o seu retrato faz surgir colocado entre nós dois (como um ramo de hortênsia). 
Talvez porque o seu retrato, embora eu me torne oblíquo, me olha, sempre, de frente (amorosamente).
Talvez porque o seu retrato mais se parece com você do que você mesma (ingrato).
Talvez porque, no retrato, você está imóvel (sem respiração...).
Talvez porque todo retrato é uma retratação...


* Imagem: Mirror, de Tigran Tsitoghdzyan.

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