terça-feira, 29 de março de 2011

CAUSOS/2 - Eduardo Galeano


   E dizem por aí que ali havia um tesouro, escondido na casa de um velhinho todo mequetrefe.
   Uma vez por mês, o velhinho, que estava nas últimas, se levantava da cama e ia receber a pensão.
   Aproveitando a ausência, alguns ladrões, vindos de Montevidéu, invadiram a casa.
   Os ladrões buscaram e buscaram o tesouro em cada canto. A única coisa que encontraram foi um baú de madeira, coberto de trapos, num canto do porão. O tremendo cadeado que o defendia resistiu, invicto, ao ataque das gazuas.
   E assim, levaram o baú. Quando finalmente conseguiram abrí-lo, já longe dali, descobriram que o baú estava cheio de cartas. Eram as cartas de amor que o velhinho tinha recebido ao longo de sua longa vida.
   Os ladrões iam queimar as cartas. Discutiram. Finalmente, decidiram devolvê-las. Uma por uma. Uma por semana.
   Desde então, ao meio-dia de cada segunda-feira, o velhinho se sentava no alto da colina. E lá esperava que aparecesse o carteiro no caminho. Mal via o cavalo, gordo de alforjes, entre as árvores, o velhinho desandava a correr. O carteiro, que já sabia, trazia sua carta nas mãos.
   E até São Pedro escutava as batidas daquele coração enlouquecido de alegria por receber palavras de mulher.
                                      (De O livro dos abraços)

Um comentário: