domingo, 24 de março de 2013

Texto de Lygia Bojunga Nunes sobre livros


Pra mim, livro é vida; desde que eu era muito pequena, os livros me deram casa e comida.
Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em pé, fazia parede; deitado, fazia degrau de escada; inclinado, encostava  num outro e fazia telhado.
E quando a casinha ficava pronta eu me espremia lá dentro pra brincar de morar em livro.
De casa em casa eu fui descobrindo o mundo (de tanto olhar pras paredes). Primeiro, olhando desenhos; depois, decifrando palavras.
Fui crescendo; e derrubei telhados com a cabeça.
Mas fui pegando intimidade com as palavras. E quanto mais íntima a gente ficava, menos eu ia me lembrando de consertar o telhado ou de construir novas casas.
[...]
Só por causa de uma razão: o livro agora alimentava a minha imaginação.
Todo dia a minha imaginação comia, comia e comia;
e de barriga assim toda cheia, me levava pra morar no mundo inteiro: iglu, cabana, palácio, arranha-céu, era só escolher e pronto, o livro me dava.
Foi assim que, devagarinho, me habituei com essa troca tão gostosa que - no meu jeito de ver as coisas - é a troca da própria vida; quanto mais eu buscava no livro, mais ele me dava.
Mas como a gente tem mania de sempre querer mais, eu cismei um dia alargar a troca: comecei a fabricar tijolo pra - em algum lugar - uma criança juntar com outros, e levantar a casa onde ela vai morar.

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