sexta-feira, 22 de abril de 2011

Um texto de Gibran Khalil Gibran


   A Páscoa chegou. Melhor do que os sinos, as multidões alegres a anunciam. Sozinho e melancólico, afasto-me da multidão.
   No parque deserto, um homem, também sozinho, parecia estar à minha espera. Sentou-se a meu lado e começou a desenhar na areia figuras misteriosas. Suas vestes eram modestas, mas dele emanava uma grandeza inexprimível.
   - O senhor é talvez um estrangeiro nesta cidade? perguntei-lhe com simpatia.
   -Eu sou um estrangeiro nesta cidade e em qualquer outra cidade.
   - Mas nestes dias festivos, o estrangeiro esquece a amargura do exílio e se deixa consolar pela afeição dos corações abertos.
   - Eu sou um estrangeiro nestes dias mais ainda do que nos outros.
   E dirigiu ao céu cinzento um olhar sonhador como se estivesse procurando no além uma pátria desconhecida.
   Observei-o novamente, e disse:
   - Parece que o senhor está em necessidade. Não aceitaria minha ajuda?
   - Sim, respondeu com tristeza, estou em necessidade, mas não preciso de dinheiro.
   - E de que precisa?
   - Preciso de um abrigo. Preciso de u lugar onde descansar a cabeça.
   - Mas já que lhe estou dando dinheiro, poderá alojar-se num hotel.
   - Já fui a todos os hotéis: ninguém me aceitou. Já bati a todas as portas sem encontrar um amigo.
   - Venha então comigo. Passarás a noite em minha casa.
   - Mil vezes já bati à tua porta, mas nunca me abriste. E agora, se soubesses quem sou, não me convidarias.
   - E quem é o senhor?
   - Eu sou a Revolução que derruba o que os séculos estabeleceram. Sou o furacão que arranca as raízes dessecadas. Sou aquele que traz ao mundo a justiça e não a piedade.
   Depois, estendeu os braços; e vi nas suas mãos traços de pregos.
   Joguei-me aos seus pés, balbuciando:
   - Jesus, o Nazareno!...
   E ouvi-o dizer:
   - O mundo celebra meu nome e as tradições que os séculos teceram em volta de meu nome. Mas eu permaneço um estrangeiro, percorrendo o universo e atravessando os séculos sem encontrar quem compreenda minha verdade.
   Quando ergui os olhos, nada mais vi senão uma coluna de incenso. E ouvi um eco de trovoada vindo da eternidade.

* (Do livro Temporais)

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